segunda-feira, setembro 03, 2007

Adoração

Ela tinha adoração por aquele autor, é o mínimo que se podia dizer. Não exatamente por ele, mas por pela sensação que ele lhe causava, pela tradução do sentimento que ela buscava com tanta vontade. Era como se aquelas letras impressas nas folhas alvas do livro criassem vida se tornassem as mãos daquele homem em sua sua pele clara.

Na meia luz do seu quarto de menina ela lia com a respiração suspensa, enquanto suas mãos delicadas buscavam o calor da sua paixão entre suas pernas. Em cada frase via a descrição do amor que sonhara, em cada página sentia como se mãos invisíveis explorassem cada segredo do seu corpo. Sentia tesão não por uma forma, mas por uma idéia, e enquanto o vai-e-vém dos seus olhos acariciavam as linhas duras e precisas, seus dedos ágeis exploravam seu sexo de forma ritmada e circular.

Queria de toda maneira conhecer aquele homem que lhe causava essa mistura de sensações, não por necessidade física, mas por urgência intelectual. Precisava de explicações lógicas e razões metafísicas. Um dia ainda se apresentaria para ele não como mulher lasciva, mas como adolescente confusa a admirar secretamente um professor inatingível. Escrevia-lhe cartas imensas que nunca postava e que iam parar dentro de suas gavetas, pois precisava sobretudo expurgar aqueles demônios que a atormentavam noites a fio.

Era tomada cada vez mais por sonhos eróticos e vontades luxuriantes que nunca tinha imaginado. Tinha-o como um Deus e imaginava que ele a tomava em seus braços fortes e de algum modo a hipnotizava, pois ela não teria nenhuma reação. Sua mente era tomada por imagens daquela boca divina que nunca proferira uma só palavra, a sugar cada gota de excitação que escorria de seu sexo. Em seus delírios não sabia se deveria se mexer, esfregando seu quadril desesperadamente naquele rosto que não conhecia - não sabia o que pensar, não conseguia formar a imagem daquele homem em sua mente- , ou se simplesmente deixava seu corpo relaxar para sentir cada toque daquela língua que conhecia todos os seus mistérios.

Noite adentro sonhava ser acorrentada a uma parede, oferecendo seu corpo em sacrifício às vontades daquele poeta envelhecido por anos de paixões infrutíferas. Sim, ele poderia fazer com ela o que bem quisesse, só pelo prazer de saber que em seu próximo livro a protagonista seria ela. Seu cobertor escondia as obscenidades a que se submetia todas as madrugadas, enquanto sua mente alucinada a fazia acreditar que seus dedos, que chupava com tanta vontade, eram o membro duro e latejante daquele Deus que agora se tornava um demônio e abusava sem dó de sua boca sedenta.

Sua loucura fazia com que suas mãos fossem as mãos dele e ela gozava a cada banho, se masturbando loucamente no chuveiro, fazendo com que seus gemidos se misturassem com o vapor d'agua. Enquanto escovava seus cabelos era acometida por idéias sujas e ela se entregava aos seus desejos apoiada na pia, se arqueando para que seu poeta imaginário pudesse lhe comer como a mais vadia das prostitutas. Satisfeita, se olhava no espelho e imaginava ele acariciando seus seios e beijando sua nuca, proferindo sussurros que a fariam sentir a mais amada das mulheres.

Em uma tarde de dezembro tomou coragem e, armada apenas do novo livro do seu amante imaginário, foi encontrá-lo em uma noite de autógrafos. Sua mente perambulava entre coquetéis e champagne enquanto o autor não surgia, mas não conseguia atribuir nem um rosto e nem um corpo a ele. Talvez fosse velho demais e arqueado pelos anos. Talvez fosse um Deus a descer aquelas escadarias com luzes cintilantes que iriam cegar a todos. Talvez mesmo fosse um demônio que iria seduzir as mulheres e causar ira nos homens.

Mas quando ele surgiu, ela percebeu que ele era apenas um mortal como outro qualquer. Não seria identificado na multidão se não fosse ele a razão da festa. Um rosto comum, um corpo normal. Percebeu nele uma timidez sedutora naquele sorriso de canto de boca enquanto assinava dedicatórias nos livros que iam surgindo à sua frente.

Quando finalmente ela depositou o livro em suas mãos e ele perguntou qual era o seu nome, ela só conseguia sorrir. Lembrou de seus sonhos e precisou controlar a excitação que crescia. Os olhos dos dois se encontraram e ela sabia que aquele poeta seria só seu, para sempre...